Segunda-feira, 10 de dezembro
de 2012.
Antes de lerem a carta da Dra. Mafalda Carvalho, Professora Doutora da
Universidade de Coimbra, endereçada à Maitê Proença, atriz brasileira, algumas observações sobre
as razões da missivista:
1) Maitê Proença disse no programa "Saia Justa" umas gracinhas sobre
a inteligência dos portugueses. Fez comentários descabidos sobre a História de
Portugal, sobre tradições portuguesas que ela desconhece, sobre o estuário do
Rio Tejo, reduziu Sintra a uma vilazinha, criticou e ridicularizou o
atendimento a seu PC pelo pessoal do hotel onde estava hospedada... e por aí
afora.
2) O programa passa em Portugal e causou um grande mal estar lá na
"terrinha". Quando foi execrada pelos portugueses, no seu pedido de
desculpas ainda disse que o povo Português não tem senso de humor. Que foi
"apenas" uma brincadeirinha.
3) É o que dá quando a pessoa fala sem conhecimento de causa. Esta
professora portuguesa além de escrever muito bem, acabou com a Maitê
Proença e de quebra, com os nossos representantes em Brasília, protagonistas de
um vasto anedotário.
4) Leia até o fim, pois a postura da Professora é excelente e nós temos
que ficar caladinhos.
5) É isso que dá, alguém despreparado emitir conceitos sobre assuntos que não
domina, com apoio dos alienados das redes de TV Brasileira, que se consideram o
máximo em cultura ..
6) E temos que engolir calados e com humildade o desabafo dessa senhora
portuguesa, generalizando e nivelando todos os brasileiros. Mesmo porque ela
não diz nenhuma inverdade.
7) A que ponto chegamos! Não temos mais nem o direito de nos indignar. Pobre
Brasil! É o declínio moral de uma Nação.
CARTA-RESPOSTA DE UMA
PROFESSORA E DOUTORA PORTUGUESA PARA MAITÉ PROENÇA
Exma. Senhora:
Foi com indignação que vi a ‘peça cómica’ que fez em Portugal e passou no
programa Saia Justa em que participa. Não que me espante que o tenha feito –
está à altura da imagem que há muito tenho de si, pelo que me tem sido dado ver
pelos seus desempenhos – mas sim pelo facto da TV Globo ter permitido que tal
ignorância fosse para o ar.
Só para que possa, se conseguir, ficar um pouco mais esclarecida: A ‘vilazinha’
de Sintra é património da Humanidade, classificada pela UNESCO e unanimemente
reconhecida como uma das mais belas e bem preservadas cidades históricas do
mundo;
Em Portugal, onde existem pessoas que olham para o mouse do seu computador como
se de uma capivara se tratasse, foi onde foi inventado o serviço pré-pago de
telefones móveis (os celulares) – não existia nenhum no mundo que sequer se
aproximasse e foi também o que inventou o sistema de passagem nas portagens
(pedagios, se preferir), sem ter que parar – quando passar por alguma, sem ter
que ficar na fila, lembre-se que deve isso aos portugueses.
É um dos países do Mundo com maior taxa de penetração de computadores e
serviços de internet em ambiente doméstico. É o único país do mundo onde TODAS
as crianças que frequentam a escola têm acesso directo a um computador (no
próprio estabelecimento de ensino) – e em Portugal TODAS as crianças vão à
escola... Muitas delas até têm um computador próprio, para seu uso exclusivo,
oferecido ou parcialmente financiado pelo Ministério da Educação – já ouviu
falar do Magalhães? É natural que não... mas saiba que é uma criação nossa, que
está a ser adquirida por outros países. Recomendo-o vivamente – é muito simples
e adequado para quem tem poucos conhecimentos de informática.
Somos tão inovadores em matéria de utilização de tecnologia informática e web
nas escolas, que o nosso caso foi recomendado por especialistas americanos,
como exemplo a seguir, a Barack Obama, que é só o Presidente dos Estados Unidos
–ao Sr. Lula da Silva tal não seria oportuno, porque ele considera que a Escola
não é determinante no sucesso das pessoas (e, no Brasil , a julgar pelo
próprio, tem toda a razão).
A internet à velocidade de 1 Mega, em Portugal há muito que é considerada
obsoleta – eu percebo que não entenda porquê, porque no Brasil é hoje anunciada
como o grande factor diferenciador a transmissão por cabo que já não nos
interessa. Já estamos noutra – estamos entre os países do mundo com a rede de
fibra óptica mais desenvolvida.E nesse contexto 1 Mega é mesmo uma brincadeira.
O ditador a que se refere – o Salazar – governou, infelizmente, ‘mais de 20
anos’, mas para a próxima, para ser mais precisa, diga que foram 48
(INFELIZMENTE, é mais do dobro de 20). Ainda assim, e apesar do muito dano que
nos causou a sua governação, nós, portugueses, conseguimos em 35 anos reduzir
praticamente a ZERO a taxa de analfabetos e baixar para cifras irrisórias o
nível de mortalidade infantil e de mulheres no parto onde estamos entre os
melhores do mundo.
Criar uma rede viária que é das mais avançadas do mundo – em Portugal, sem
exceder os limites de velocidade e sem correr risco de vida, fazemos 300 km em
duas horas e meia (daria tanto jeito que no Brasil também fosse assim!).
Melhorar muito o nível de vida das pessoas, promovendo salários e condições de
trabalho condignos. Temos ainda muito para fazer nesta matéria, mas já não
temos pessoas fechadas em elevadores, cuja função é apenas carregar no botão do
andar pretendido – cada um de nós sabe como fazê-lo e aproveitamos as pessoas
para trabalhos mais estimulantes e úteis; também já não temos trabalhadores
agrícolas em regime de escravatura – cada pessoa aqui tem um salário, não
trabalha a troco de um prato de comida.
Colocar-nos na vanguarda mundial das energias renováveis, menos poluentes, mais
preservadoras do planeta; enquanto uns continuam a escavar petróleo, nós
estamos a instalar o maior parque de energia eólica do mundo (é a energia
produzida a partir do vento).
Poderia também explicar-lhe quem foi Camões, Fernando Pessoa, etc., cujos
túmulos viu no Mosteiro dos Jerónimos, mas eles merecem muito mais.
Ah!, já agora, deixe-me dizer-lhe também que num ponto estou muito de acordo
consigo: temos muito pouco sentido de humor. É verdade. Não acharíamos graça
nenhuma se tivéssemos deputados a receber mesada para votarem num certo
sentido, não nos divertiria muito se encontrassem dirigentes políticos com
dinheiro na cueca, não nos faria rir ter senadores a construir palácios
megalómanos à conta de sobre-facturação do Estado, não encontramos piada quando
os políticos favorecem familiares e usam o seu poder em benefício próprio.
Ficaríamos, pelo contrário, tão furiosos, que os colocaríamos na cadeia. Veja
só – quanta falta de humor. Mas, pelo contrário, fazem-me rir as sessões
plenárias do senado brasileiro. Aqui em Portugal , e estou certa que em toda a Europa,
tal daria um excelente programa de humor.
Que estranho, não é?
Para terminar só uma sugestão: deixe o humor para quem no Brasil o sabe fazer
com competência (e há humoristas muito bons no Brasil ). Como alternativa, não
sei o que lhe sugerir, porque ainda não a vi fazer nada que verdadeiramente me
indicasse talento..
Peço desculpa por não poder contribuir.
Mafalda Carvalho - Professora Doutora da Universidade de Coimbra