Segunda-feira,
13 de agosto de 2012.
Lúcia Guimarães - O Estado de S.PauloNOVA YORK - Faltei à formatura da minha faculdade. Fiquei pendurada porque tirei nota baixa em estatística, tive de fazer o crédito em recuperação e colei grau sozinha no meio do ano. Confesso que não me recuperei em estatística. Assim como não aprendi jornalismo na escola de jornalismo. Lembro dos professores complacentes, um lacaniano esquisito (pleonasmo?), um comunista feroz, uma preguiçosa que não preparava nada e flertava com alunos.
Só fui boa aluna até o fim do segundo grau. Faltava muito à aula na faculdade
porque já trabalhava como repórter. Aprendi o ofício na redação.
Uma vez, não preparei o trabalho final de uma matéria e só me lembrei na
manhã da última aula. Lavei um vidro de geleia, datilografei várias palavras e
joguei o papel picado lá dentro. Sacudi e entreguei para o professor, dizendo
que era um poema concreto. Tirei nota 8.
Obrigar o jornalista a ter diploma de jornalismo é como obrigar um cantor
a tomar aula de voz antes de cantar no palco, uma violação da liberdade de
expressão. Não que uma boa escola de jornalismo seja inútil, pelo contrário, a
da Columbia University, aqui perto, é uma usina de grandes profissionais. Mas é
uma escola de pós-graduação, você só é aceito se já escrever num nível cada vez
mais raro na nossa imprensa.
As redações eram a lição de anatomia do jornalista da minha geração. Hoje
é indispensável aprender técnicas do jornalismo digital. Jornalista deve
estudar, acima de tudo, português e se educar em história, literatura,
economia, ciência, filosofia e ciência política. Quem chega à redação passou
pelo crivo de editores e competiu com seus pares, mesmo por um estágio.
Não compreendo por que um graduado em economia que escreve bem seria
impedido de cobrir o Banco Central e substituído por um foca que pode ser
facilmente enrolado, já que não decifra a informação financeira. Não fui capaz
de questionar porta-vozes do governo quando tive que substituir colegas na
cobertura da negociação da dívida externa em Nova York. Não entendia bulhufas
dos comunicados.
O senador paraibano Cícero Lucena declarou, orgulhoso, pelo Twitter, que
votou a favor da obrigatoriedade do diploma porque "democracia se faz com
jornalismo ético, profissional e técnico". Sua excelência vai me
desculpar, mas essa frase não passa pelo copidesque. O que tem a democracia a
ver com a profissionalização do jornalista? E com sua capacidade técnica de
fazer fotografia com foco? A ética começa ainda na primeira dentição, em casa,
é aperfeiçoada durante a educação e é fundamental para qualquer profissão.
A democracia se faz com jornalismo, ponto. Quando Thomas Jefferson disse
que era melhor ter um país sem governo do que um país sem jornais, a inspiração
era o civismo, não o corporativismo. O baixo nível da maioria das escolas de
comunicação é que erode a democracia porque joga milhares de jovens iletrados
na vala comum do subemprego, fabrica profissionais despreparados para contestar
o poder e investigar a corrupção num mundo cada vez mais sofisticado e
falsificado pelo marketing. Não foi coincidência Charles Ferguson, ganhador do
Oscar de 2011 por Inside Job, ter conduzido as entrevistas mais reveladoras já
feitas sobre o crash de 2008. O homem se formou em matemática e fez PHD em
ciência política, sabia o que perguntar.
A desculpa usada pelo senador sergipano Antonio Carlos Valadares -
empresas de comunicação se opõem ao diploma porque querem contratar mão de obra
barata - é absurda. A epidemia de cursos superiores de jornalismo alimenta a
distorção de mercado que baixa os salários. Por que só o senador Aloysio Nunes
Ferreira teve coragem de apontar a aberração constitucional do voto? Qual o
motivo por trás da esmagadora maioria dos votos a favor?
E o que define para esses parlamentares a tal profissão, numa era em que
qualquer um munido de smart phone pode narrar e fotografar um atentado no
Afeganistão e apertar "enviar"? A diferença é editorial e o público
vota no bom jornalismo selecionando onde deposita sua atenção. As empresas de
comunicação que quiserem produzir seu conteúdo com mão de obra medíocre e barata
terão na exigência do diploma sua maior aliada.
O jornalismo é um bem social importante demais para ficar nas mãos de
jornalistas diplomados.
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