quinta-feira, 1 de setembro de 2011

As bebedeiras, os acidentes de trânsito e o Estado


Quinta-feira, 01.09.2011.                                      
Por Claudio Henrique de Castro com a colaboração da jornalista Beth Pinheiro

As regras de trânsito são as mais descumpridas no Direito brasileiro. A todo momento se dá um jeitinho para conversão proibida, estacionamento em fila dupla, etc. Os crimes sempre culposos e de dificílima caracterização de dolo (vontade do agente) construíram um cenário de impunidade e desrespeito neste setor do Direito. Tem-se um duplo padrão de comportamento legal. As regras valem para os outros e não para nós. Os nossos amigos sabem beber (Damatta), os outros não. Sempre temos razão no trânsito. O “vai que dá” sempre está do nosso lado. Nossas multas sempre são aplicadas de forma injusta ou equivocada, pois sempre temos razão. O trânsito transformou-se no maior reflexo da ética da globalização no Brasil: cada um por si, e todos por ninguém, nem mesmo o Estado.
 
Porque é que a policia não realiza blitze aos finais de semana
 para o pessoal "comportado" que anda por essa avenida?
Há pouco tempo um conhecido participava de uma comemoração num bairro gastronômico de Curitiba. Personagens dos poderes do Estado presentes - e tudo regado a uísques caríssimos, vinhos refinados, cervejas, caipirinhas e batidas. Na volta para a casa uma despreocupação: nós sabemos beber, estamos em condições de dirigir. Nossa juventude, embalada pelo “beba com moderação” não dissocia divertimento de balada e bebida alcoólica, os primeiros passos para as drogas ilegais. A publicidade das bebidas sem restrições comanda as maiores verbas dos meios de comunicação.
Quais interesses estão em jogo?
 
Enquanto o poder econômico influenciar políticos e mídia
publicitaria, a hipocrisia do sistema não impedirá o morticinio
no trânsito das cidades (Foto Ilustrativa)
De um lado os grandes anunciantes e a mídia, cujos detentores possuem mandatos do Congresso Nacional e não há qualquer interesse em regulamentar severamente o setor. O business sempre acima das vidas humanas. Do outro, a juventude embalada pelas propagandas que exaltam sexualidade, beleza e encantamento, a fascinação da conquista de mulheres belíssimas e esculturais. Mais recentemente a associação com a Copa do Mundo e o futebol.
E o Estado?
Quando o Código de Trânsito foi alterado pela Lei nº 11.705/2008 e o art. 165, que tornou
“severa” a punição por ingestão de álcool na direção veicular, dentre outras coisas fez com que o movimento nos bares e casas noturnas caísse vertiginosamente. Infelizmente passageiro. “A lei não pegou”. 

Prática comum nos postos de combustíveis no Brasil e ninguém
faz  nada (Foto Ilustrativa)
Os postos de gasolina e seus bares internos transformaram-se em asilos convenientes para o esquenta, pois a bebida nas casas noturnas é mais cara. Nem se fale da violência juvenil, em decorrência do encorajamento e a perda dos freios inibitórios que a bebida faz surgir. Resultado: naquelas cidades onde muitos políticos locais e estaduais e suas famílias são os proprietários ou sócios de estabelecimentos que exploram este rentável segmento, que inclui a juventude universitária e os jovens a procura de diversão e arte, fizeram as conhecidas pressões para o esvaziamento da referida disposição legal.
 
Enquanto não se tomar rédea da situação, os jovens continuarão
engrossando as estatísticas de mortes em acidentes de trânsito.
Sempre como causa a ingestão de bebida alcoólica e o excesso de
 velocidade (Foto ilustrativa)
Diante desta quadro a sociedade assiste, calada e inerte, ao elevado número de mortes aos finais de semana e nos feriados, em virtude dos graves acidentes de trânsito ocasionados pela ingestão de bebida alcoólica. No ano passado tivemos a grata oportunidade de falarmos sobre Direitos Humanos para parte da Corporação da valorosa Polícia Militar do Paraná. Naquele momento perguntamos por quais razões das blitze acabarem ou rarearem? Impunidade? Política de Estado? Omissão?
O que o Estado com o grave déficit nas corporações policiais está fazendo, objetivamente, para coibir a elevação dos acidentes de trânsito nesta seara?
Onde estão as campanhas educativas com a parte da rendosa arrecadação com as multas de trânsito?
Há política de Estado para combater a liberada exaltação da ingestão das bebidas alcoólicas pela juventude?
Em síntese: a legislação ainda é precária e o que temos não está sendo cumprido. Há uma grave omissão do Estado e os grupos de pressão política são muito mais fortes que a sociedade organizada que padece a cada final de semana os horrores das perdas de vidas, nas esquinas, cruzamentos, estradas e vias.
Quem lucra com tudo isto?

*Claudio Henrique de Castro é advogado, professor universitário e integra a Comissão de Trânsito da OAB/PR

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