Domingo, 29 de julho
de 2012.
Os vínculos entre Política e Moral sempre foram questões discutidas ao
longo dos tempos. Hoje, no Brasil, tornou-se preocupação pública relevante e
prioritária. O texto de Noberto Bobbio é paradigmático por sua erudição e
autoridade. Resume o assunto à sua essência.
POLÍTICA E MORAL - Ao problema da relação entre Política e não-Política, está
veiculado um dos problemas fundamentais da filosofia política, o problema da
relação entre Política e moral. A Política e a moral estendem-se pelo mesmo
domínio comum, o da ação ou da práxis humana. Pensa-se que se distinguem entre
si em virtude de um princípio ou critério diverso de justificação e avaliação
das respectivas ações, e que, em consequência disso, o que é obrigatório em
moral, não se pode dizer que o seja em Política, e o que é lícito em Política,
não se pode dizer que são impolíticas (ou apolíticas) e ações políticas que são
imorais (ou amorais). A descoberta da distinção que é atribuída, injustificada
ou justificadamente a Maquiavel (daí o nome de maquiavelismo dado a toda a
teoria política que sustenta e defende a separação da Política da moral), é
geralmente apresentada como problema da autonomia da Política. Este problema acompanha
pari passu a formação do Estado moderno e sua gradual emancipação da Igreja,
que chegou até, em casos extremos, à subordinaçao desta ao Estado e,
consequentemente, à absoluta supremacia da Política. Na realidade, o que se
chama autonomia da Política não é outra coisa senão o reconhecimento de que o
critério segundo o qual se julga boa ou má uma ação política (não se esqueça
que, por ação política, se entende, em concordância com o que se disse até
aqui, uma ação que tem por sujeito ou objeto a pólis) é diferente do critério
segundo o qual se considera boa ou má uma ação moral. Enquanto o critério
segundo o qual se julga uma ação moralmente boa ou má é o do respeito a uma
norma cuja preceituação é tida por categórica, independentemente do resultado da
ação ("faz o que deves, aconteça o que acontecer"), o critério
segundo o qual se julga uma ação politicamente boa ou má é pura e simplesmente
o do resultado ("faz o que deves, a fim de que aconteça o que
desejas"). Ambos os critérios são incomensuráveis. Esta
incomensurabilidade está expressa na afirmação de que, em Política, o que vale
é a máxima de que "o fim justifica os meios", máxima que encontrou em
Maquiavel uma das suas mais fortes expressões: "... e nas ações de todos
os homens, e máxime dos príncipes, quando não há indicação à qual apelar, se
olha ao fim. Faça, pois, o príncipe por vencer e defender o Estado: os meios
serão sempre considerados honrosos e por todos louvados"(Príncipe, XVIII).
Mas, em moral, a máxima maquiavélica não vale, já que uma ação para ser julgada
moralmente boa, há de ser prtaticada não com outro fim senão o de cumprir o
próprio dever.
In "Dicionário de Política" (verbete Política, item VIII)
Brasília, Ed. Univ. Brasília, 1981. 2 vols.
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