Segunda-feira, 07 de
maio de 2012.
Uma acusação de fraude envolvendo uma dissertação de mestrado defendida
em 2008 e um artigo científico publicado no ano passado, ambos de pesquisadores
da UFPR (Universidade Federal do Paraná), levou a um desfecho inusitado: o
mestrado foi alterado quatro anos após a defesa e republicado. A reportagem da Folha
tomou conhecimento do caso pelo Folhaleaks, canal criado pelo jornal para
receber informações e documentos.
"Em 30 anos de vida acadêmica, eu nunca
tinha visto isso", reconhece o pró-reitor de
pesquisa e pós-graduação da UFPR, Sergio Scheer.
Em geral, uma vez que um trabalho de mestrado ou doutorado é aprovado por
uma banca de examinadores, o aluno tem, no máximo, algumas semanas para fazer
correções finais antes de o trabalho ser "eternizado"
na biblioteca da universidade. Para a UFPR, que concluiu investigação sobre o
caso no mês passado, houve apenas uso indevido de imagens. As imagens
infravermelhas teriam sido publicadas sem autorização da empresa curitibana
Thermotronics. O dono da empresa, no entanto, afirma que as imagens são
fraudulentas, já que servem de base para descrever experimentos que não teriam
ocorrido da maneira como afirmam os cientistas.
RATOS NA BERLINDA
O mestrado do médico Angelo Manoel Grande Carstens envolveu a
visualização, via infravermelho, do efeito de dois anestésicos, a bupivacaína e
a levobupivacaína, nos vasos sanguíneos de ratos. No ano passado, os resultados
dessa mesma pesquisa saíram também na "Revista Brasileira de
Anestesiologia".
"É possível conseguir informações
fantásticas sobre o metabolismo usando essas imagens de infravermelho",
diz o engenheiro Mário Cimbalista Junior, dono da Thermotronics que denunciou a
suposta fraude à UFPR. Segundo Cimbalista Junior, ele tinha sido sócio de um
dos orientadores de Carstens, o médico Marcos Leal Brioschi. Ele afirma que
costumava ceder as dependências da empresa para experimentos.
"Resolvi procurar na internet referências
à Thermotronics em artigos científicos e me deparei com o estudo. Fiquei
chocado", conta.
Enquanto o trabalho declara que os experimentos ocorreram num laboratório
da UFPR em 2007, Cimbalista Junior diz que foram feitos em 2004, na cozinha de
sua empresa. Os pesquisadores também teriam errado no número de ratos filmados
no estudo, no número de roedores mortos no experimento e nas informações sobre
os aparelhos utilizados. "Tudo isso compromete os resultados."
INVESTIGAÇÃO
A universidade criou uma comissão para investigar o caso, a qual concluiu
que as imagens, nas quais o empresário baseou sua denúncia, foram usadas de
forma meramente ilustrativa.
"Faltou dizer isso na dissertação
original. A gente sempre diz aos alunos que é preciso deixar clara a fonte de
tudo o que se usa num trabalho",
afirma o pró-reitor.
Segundo ele, o estudo usou como base outro aparelho, que não fazia o
mesmo tipo de imagem. Os resultados, portanto, ainda valeriam. O editor-chefe
da "Revista Brasileira de
Anestesiologia", Mário Conceição, afirmou à Folha que a equipe da publicação ficou
"preocupada" com as denúncias. No entanto, diz ele, "os conceitos e
resultados apresentados foram de responsabilidade dos autores." A Folha
apurou que Cimbalista Junior está processando Brioschi. Nenhum dos dois quis
comentar a ação judicial.
(Reinado José Lopes/Editor de “Ciência + Saúde” do jornal Folha de São
Paulo)
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