terça-feira, 10 de março de 2015

Jurista Celso Antônio Bandeira de Mello rejeita tese de impedimento da presidente

Terça-feira, 10 de março de 2015.
Para o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, "Os golpes, não é de hoje,
costumam ser fabricados na Justiça."costumam ser fabricados na Justiça"
Sérgio Pedreira/FolhaPress
Como cidadão tenho minhas opiniões e quando o assunto é política há que se ter uma visão holística para uma análise que pretenda ser imparcial e que, mais do que o convencimento de teses e opiniões, provoque a reflexão dos leitores. Em relação à crise estabelecida por escândalos de corrupção, principalmente os mais recentes envolvendo a Petrobrás, confesso que como a grande maioria esclarecida, acompanho os fatos para formar um melhor juízo de valor. Não é estar em cima do muro. Como os assuntos são polêmicos e envolvem políticos, há que se acautelar para não ser envolvido por tramas e interesses fisiológicos. Daí o compartilhamento desta opinião que respeito, pois o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello tem uma visão legalista dos fatos. E é esta forma de ver as coisas que pontuo meu julgamento, a princípio, sem deixar me levar por paixões partidárias e/ou ideológicas. Leiam com atenção. Talvez os ajudem a refletir um pouco melhor sobre aquilo que chega perigosamente incompleto ao conhecimento de vocês. JoYa


REVISTA CARTA CAPITAL

CartaCapital: O que o senhor pensa a respeito desse movimento latente a favor do impeachment de Dilma Rousseff?
Celso Antônio Bandeira de Mello: Tem-se falado muito na mídia. Como sabemos, mídia e oposição são a mesma coisa. É como em um jogo de futebol, perdem, mas tentam ganhar no tapetão. Não acredito que o “povo”, como diz a oposição, esteja tão interessado no impeachment. Criou-se o hábito de chamar de opinião pública a opinião publicada por certos meios de comunicação. Enquanto existir milho para alimentar as galinhas, não vejo um risco de impeachment. E que milho é esse? O poder de manter o Parlamento atrelado à dependência do governo. E nenhum jurista se propôs, até agora, a responder ao tal artigo que propôs a hipótese. Não vale a pena. Há uma tentativa de se fabricar um movimento.
CC: E a reação do governo?
CABM: Dilma Rousseff não está bem assessorada. Aloizio Mercadante, um de seus principais auxiliares, não prima pela habilidade. Economistas, aliás, não costumam ser bons políticos. Parece-me que ela já foi mais sensível a outras opiniões, às de Lula, por exemplo. A presidenta tem reagido de forma muito tímida. Aparentemente, ela se entregou à mão desse rapaz, que não parece ser de grande destreza política.
CC: O senhor considera a possibilidade de faltar apoio social à presidenta caso, ao contrário do que o senhor pensa neste momento, tome corpo um movimento pró-impeachment?
CABM: Isso me preocupa. O povo acha que todo político é safado. Logo, não interessa se o político é corrupto ou não. Eu, se fosse da ala política, me agarrava no Lula, isso sim. Esse tem prestígio. Em um momento de dificuldade, quando você decepciona seus aliados, na hora em que se nomeia para o Ministério da Fazenda um homem comprometido com a direita, como será possível pedir apoio? A nomeação do ministro, dizem, foi para apaziguar o chamado mercado. Quando eu vejo o mercado satisfeito, tenho arrepios. Como esperar auxílio dos trabalhadores se paira a ameaça de retirada de benefícios sociais? Se você não está nem de um lado nem de outro, acaba nas mãos de seus inimigos. Tenho medo de faltarem forças para uma reação. Isso é um perigo não só neste momento, mas também no futuro próximo. É preciso destacar um ponto: o PT e a esquerda de forma geral nunca deram importância à Justiça, às articulações políticas do Poder Judiciário. Mas os golpes, não é de hoje, costumam ser fabricados no meio jurídico.
CC: A eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara agrava o cenário?
CABM: Ele é perigoso por ser inteligente. Se fosse um idiota, não haveria maiores problemas. De qualquer forma, para um processo de impeachment ganhar força é preciso uma maioria elástica. Não vejo argumentos jurídicos suficientes. Se a investigação realmente se aprofundar, vai atingir governos anteriores. Alguém acredita sinceramente que a corrupção na Petrobras começou ontem, nos governos do PT? Todo ano, faz tempo, sai uma nova edição do meu curso de Direito Administrativo. Descrevo, nesse livro, os desmandos do senhor Fernando Henrique Cardoso na estatal, que literalmente colocou raposas para cuidar do galinheiro. O governo FHC tirou a submissão da Petrobras à lei de licitação e a própria empresa passou a regular os contratos. Foi a sinalização mais clara para as negociatas. De volta à eleição de Cunha. Ela também confirma o velho e conhecido fisiologismo do mundo político. Lula, um gênio, soube lidar com essa realidade. Dilma não é o Lula. Ela sobreviveu ao primeiro governo e conseguiu ser reeleita, mas a direita considera que essa vitória foi demais, principalmente pelo fato de a diferença de votos ter sido tão pequena.

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